por - Paolla Serra - Brasília
Ferramenta permitia monitorar os passos de até 10 mil proprietários e foi usada por três anos na gestão Bolsonaro. Polícia Federal apreendeu mais de 170 mil dólares em dinheiro vivo na casa de diretor.
A Polícia Federal (PF) realiza nesta sexta-feira uma operação para investigar o uso de programa secreto que monitorou a localização de pessoas através do celular. O caso, envolvendo a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi revelado em março pelo GLOBO. Até o momento, dois servidores da agência foram presos, cinco afastados e o montante de US$ 171,8 mil em dinheiro vivo apreendidos. Segundo a colunista do GLOBO Bela Megale, o sistema foi acionado mais de 30 mil vezes. Desse montante, os investigadores detalharam 2.200 usos relacionados a políticos, jornalistas, advogados e adversários do governo Jair Bolsonaro.
A ação foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou o afastamento de cinco servidores pelo uso indevido de sistema de geolocalização. Entre eles estão dois diretores, sendo um deles Paulo Maurício Fortunato Pinto, diretor e atual número 3 da Abin. A apreensão dos US$ 171,8 mil em dinheiro vivo — cerca de R$ 872 mil na cotação atual — ocorreu em um endereço vinculado ao diretor. A origem ainda é desconhecida e será investigada pela PF.
Além de determinar a prisão de Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Yzycky, foram cumpridos 25 mandados de busca e apreensão, realizados hoje pela Polícia Federal nos estados de São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Goiás e no Distrito Federal.
Outro alvo da PF é Caio Cesar dos Santos Cruz, filho do general da reserva e ex-ministro de Jair Bolsonaro Carlos Alberto Santos Cruz. Segundo a colunista Bela Megale, Caio Cesar dos Santos Cruz é apontado pelos investigadores como representante da empresa que vendeu o sistema a Abin.
A ferramenta da Abin permitia, sem qualquer protocolo oficial, monitorar os passos de até 10 mil proprietários de celulares a cada 12 meses. Para isso, bastava digitar o número de um contato telefônico no programa e acompanhar num mapa a última localização conhecida do dono do aparelho.
De acordo com as investigações, além do uso indevido do sistema, apura-se a atuação dos dois servidores da Agência que foram presos. Eles são suspeitos de, em razão de possibilidade de demissão em processo administrativo disciplinar, usar o conhecimento sobre o sistema como meio de coerção indireta para evitar a exoneração.
Conforme O GLOBO revelou em março, os dados são coletados por meio da troca de informações entre os celulares e antenas para conseguir identificar o último local conhecido da pessoa que porta o aparelho. O sistema foi utilizado durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando o diretor da agência era Alexandre Ramagem. Atualmente, Ramagem é deputado defederal (PL-RJ).
A PF pontua que o sistema de geolocalização utilizado pela Abin é um software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira. “A rede de telefonia teria sido invadida reiteradas vezes, com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos”, informou, em nota.
Mais cedo, a colunista Malu Gaspar, do GLOBO, informou que jornalistas, advogados, políticos e adversários do governo de Jair Bolsonaro (PL) estão entre as pessoas que foram monitoradas ilegalmente pelo grupo de agentes da Abin, sob a gestão de Ramagem.
Os investigados podem responder, na medida de suas responsabilidades, pelos crimes de invasão de dispositivo informático alheio, organização criminosa e interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Procurados pelo GLOBO, Bolsonaro e Ramagem ainda não se manifestaram. Por meio de nota, a Abin afirmou que vem colaborando com as investigações, cumprindo integralmente todas as requisições da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal. Disse também que servidores investigados foram afastados de forma cautelar.
Programa espião comprado sob sigilo
A agência comprou o software por R$ 5,7 milhões, com dispensa de licitação, no fim de 2018, ainda na gestão de Michel Temer. A ferramenta foi utilizada ao longo do governo Bolsonaro até meados de 2021.
Como o GLOBO mostrou à época, um integrante do alto escalão da Abin afirmou que o sistema era operado sob a justificativa de haver um “limbo legal”. Ou seja, como o acesso a metadados do celular não está expressamente proibido na lei brasileira, a agência operava a ferramenta alegando serem casos de “segurança de Estado” — e, portanto, não estava quebrando o sigilo telefônico.
O problema, segundo esse oficial de inteligência, era que o programa podia ser manejado “sem controle” e não era possível saber se foram feitos acessos indevidos. Na prática, qualquer celular poderia ser monitorado pelo programa sem uma justificativa oficial e não havia necessidade de registros sobre quais pesquisas eram realizadas.
Fonte- extra.globo.com/politica
Nenhum comentário:
Postar um comentário