Nesses casos, observa-se a admissão de agentes públicos de forma temporária para exercerem atividades que deveriam estar sob responsabilidade de servidores efetivos, já que as necessidades que gerenciam são perenes.
As áreas em que essa forma de vínculo trabalhista são detectadas são diversas: de Educação a Saúde, passando pelo Legislativo Municipal, promotores identificam um uso irregular da legislação que autoriza o Poder Público a fazer contratações do tipo.
Essa forma de irregularidade é a mais frequente entre as prefeituras, aponta Silderlandio do Nascimento, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (CAODPP) do MPCE.
"É possível verificar, em diversos municípios, contratados temporários que exercem suas funções na administração pública há mais de dez anos. Ou seja, essas pessoas estão ocupando indevidamente vagas que deveriam ser ocupadas por pessoas que foram aprovadas em concursos públicos”, exemplifica.
Isso porque, no funcionalismo público, só é possível empregar trabalhadores temporários para atender necessidades momentâneas de excepcional interesse público. Os contratos, inclusive, devem ter prazo definido de vigência. É o caso de recenseadores, de agentes que prestam assistência à calamidade pública, entre outros.
Para desempenhar atividades de forma continuada nessa esfera, é necessário o ingresso por meio de concurso público, cuja avaliação ocorre por provas ou provas e títulos, para casos mais complexos.
Há, ainda, os cargos comissionados, que funcionam em livre nomeação e exoneração do gestor público. Assumem atribuições de direção, chefia e assessoramento.
SELEÇÕES SEM TRANSPARÊNCIA
Mesmo em cargos temporários há regras e princípios a serem adotados na seleção, que não pode ser feita de acordo com a vontade do gestor municipal. O processo de admissão, nesse caso, deve ser transparente e garantir a moralidade, a publicidade, a impessoalidade e a igualdade de oportunidades entre os concorrentes.
Segundo Nascimento, alguns casos que vieram à tona neste ano não obedecem a esses requisitos. “(Alguns têm) regras que tendem a favorecer determinados agentes públicos que já ocupam funções, ou seja, havendo direcionamento dos títulos desses processos seletivos para quem já ocupa cargos na administração pública de forma temporária”, explica.
Práticas como essa foram detectadas em Madalena, em Quixeramobim e em Chorozinho ao longo do ano.
Só no primeiro município, pelo menos três processos seletivos foram alvo do Ministério Público, que pediu a anulação por causa de problemas no edital.
Na seleção para a Secretaria Municipal da Saúde detectou falhas, como a realização de entrevistas sem espelho objetivo de avaliação e sem definição de qualquer critério previsto na lei; inexistência de comprovação de ampla publicidade do edital em jornal/periódico de grande circulação; prazo irrisório para inscrições, previstas para os dias 24 a 25 de janeiro de 2022; ausência de critérios de correção e pontuação, bem como conteúdo programático detalhado; ausência de prova objetiva; subjetivismo na avaliação da entrevista, entre outros.
Os mesmos problemas foram encontrados na da Secretaria de Educação, destinada à complementação de vagas e formação de cadastro de reserva. O edital previa a admissão de psicólogo, psicopedagogo, nutricionista, engenheiro, secretário escolar, professor, vigias, auxiliar de serviços gerais e motorista.
As inscrições seriam nos dias 25 e 26 de janeiro, levando a um recrutamento em duas etapas: análise de currículo e entrevista, de caráter eliminatório e classificatório.
As metodologias de análise foram repetidas no certame para a Secretaria de Infraestrutura, que buscava empregar, em caráter temporário, pessoal para os cargos de apontador de obras, coveiro, engenheiro civil, capataz, motorista e atendente comercial. Neste caso, a Prefeitura de Madalena acolheu a recomendação e cancelou o edital.
Também com base em ação ajuizada pelo MPCE, a 2ª Vara da Comarca de Quixeramobim determinou, em agosto, que o município realizasse concurso público, dentro do prazo de um ano, para ocupação de cargos na Saúde, na Educação e na Assistência Social.
O processo devia ser começado de imediato, atentando-se a gestão, também, aos limites constitucionais quando fosse realizar novas contratações. A cidade ficou proibida, ainda, de firmar contratos temporários por meio de decisão judicial sem, no mínimo, a realização de seleção pública devidamente justificada.
Em Chorozinho, por sua vez, tanto a forma como ocorreu a seleção quanto a disposição de servidores temporários em funções típicas de cargos efetivos embasaram ação do Ministério Público na Justiça. “Primeiramente, no momento das contratações, o Município não apresentava situações excepcionais que justificassem as contratações de caráter temporário”, explica o MP.
“Em segundo, nos casos excepcionais em que se faz necessária a contratação temporária, a Prefeitura realizou a contratação precária sem processo seletivo simplificado, em ofensa aos princípios da impessoalidade, legalidade, moralidade, entre outros”, completa o órgão.
Foram identificadas 477 contratações nesses moldes, abarcando funções como técnicos de enfermagem, professores, auxiliares administrativos, dentistas e enfermeiros.
A Promotoria chegou a emitir uma recomendação ao município tratando sobre o assunto, mas não foi acatada pela gestão do prefeito Dr. Júnior (PDT). Por isso, resolveu judicializar o caso em abril deste ano.
“A contratação temporária sem prévio processo seletivo é uma forma de perpetuação do poder político por meio da troca de apoio político de cidadãos pela oferta de cargos temporários, e isso traz prejuízo, inclusive, ao processo eleitoral”, argumenta o coordenador do CAODPP.
DANO AO SERVIÇO PÚBLICO
A utilização de contratos temporários em funções típicas de cargos efetivos é danosa à esfera pública, avalia Silderlandio do Nascimento. “O prejuízo pode ser observado em relação à continuidade e à qualidade do serviço público, uma vez que quando há constante troca de agentes públicos, demanda-se tempo para aprendizagem das novas funções”, explica.
Não à toa, quando as recomendações não foram suficientes para normalizar a situação perante a legislação, o MP recorreu à Justiça. Foi o que ocorreu em Juazeiro do Norte, no Crato, em Coreaú e em Iguatu.
Em ação de outubro, o órgão recomendou a exoneração de servidores temporários que não exerçam atividades essenciais e a realização de um novo concurso público em 180 dias para preencher essas vagas, em Juazeiro do Norte.
Já em Crato, a demissão dos temporários em setores não essenciais foi pedida em ação do MPCE acatada pela Justiça. A determinação também abarcou a suspensão dos cargos previstos em concurso público lançado em 2020 para a Prefeitura.
Além disso, ficou decidido que trabalhadores contratados temporariamente em setores essenciais, cuja função não foi prevista no certame em questão, seguissem no cargo até, pelo menos, agosto de 2023, um ano depois da decisão.
A liminar do juiz titular da 2ª Vara Cível, José Flávio Bezerra Morais, contudo, foi suspensa posteriormente no Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE). Agora, diz a assessoria de imprensa da Prefeitura, são convocados os aprovados no concurso de 2020, cujas provas ocorreram em 2021. A previsão é que cargos como Auxiliar de Serviços Gerais sejam terceirizados.
Em Coreaú, uma ação do MP requereu a concessão de tutela de urgência para que o município realize concurso público para preencher, no mínimo, 228 vagas para diversos setores. Esse total equivale ao que, hoje, existe na Prefeitura em termos de contratações temporárias, segundo o Portal da Transparência do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE).
O Juízo da 1ª Vara Cível de Iguatu também seguiu entendimento do Ministério Público e determinou a nomeação e posse imediata dos aprovados no concurso público do município e consequente fim dos contratos temporários.
O certame foi lançado para o preenchimento de 372 cargos que estavam ocupados por trabalhadores em regime temporário.
O concurso foi realizado, inclusive, por força jurídica, com base em outra ação do MPCE de 2021. Os resultados foram divulgados em maio deste ano, mas o calendário anunciado pela Prefeitura atrasava muito e sem justificativa os procedimentos posteriores, como a própria convocação.
EDITAIS E BANCA
De acordo com Silderlandio, desde a publicação do edital do concurso público é possível observar irregularidades. São os casos de Mombaça e Altaneira.
Na primeira cidade, a recomendação foi enviada à Câmara Municipal, em novembro deste ano, para a suspensão imediata do concurso público para cargos na sede do Legislativo Municipal. O objetivo era a alteração de alguns itens do documento, principalmente os que diziam respeito à previsão de aplicação das provas em outros municípios (em datas e horários diferentes) e à exigência de ensino superior para o cargo de Almoxarife.
A sugestão foi aceita pela direção da Casa, que informou, por meio de nota, que o assunto vai ser tratado com a nova Mesa Diretora da Casa, já que a suspensão de 60 dias se estendia pelo começo deste ano.
"Após a análise dos pontos de recomendação do Ministério Público e posterior adequações do edital, o certame será retomado do ponto que foi paralisado", afirmou, ainda, a Câmara de Mombaça. Posteriormente, será divulgado, por edital, o novo cronograma da seleção, inclusive com novas datas para a aplicação da prova.
Já na segunda cidade, o MPCE recomendou, além da suspensão da seleção, a realização de um estudo orçamentário para a contratação de pessoal de forma permanente por meio de concurso.
O problema do edital era relativo à inexistência de vagas e ausência de justificativa administrativa para a excepcionalidade das contratações. O prazo de inscrições também prejudicou interessados no certame, já que durou quatro dias, começou em um feriado nacional (16 de junho, Dia de Corpus Christi) e terminou em um domingo.
O concurso na cidade buscava suprir “carências temporárias” em diversas secretarias. Mas, de acordo com o Ministério Público, tratavam-se, na verdade, de necessidades permanentes.
Em fevereiro, também observou-se um problema na banca do concurso para a Prefeitura de Granja. Durante investigação do MPCE, a gestão resolveu anular um concurso público para professores, enfermeiros, psicólogos, médicos, entre outros cargos.
Poucas semanas antes, em janeiro, a 2ª Promotoria de Justiça de Granja cumpriu mandado de busca e apreensão na sede do Instituto Consulpam, organizador do concurso.
Também no início do ano, o Diário do Nordeste revelou detalhes da investigação, que segue sob sigilo. O Ministério Público instaurou um inquérito sobre a empresa após receber uma denúncia de fraude: uma mulher apareceu na lista de aprovados no certame sem ter feito a prova.
Após o fato vir à tona, a banca examinadora apagou o resultado e postou um novo sem o nome da candidata, mas mantendo todos os outros aprovados. À época, a Consulpam afirmou, por meio de nota, que pediu, “por precaução”, a anulação do concurso à Prefeitura.
A administração municipal, por sua vez, lançou dois novos concursos públicos no ano passado, cuja avaliação fica sob responsabilidade da Universidade Patativa do Assaré. O primeiro certame, inclusive, já foi realizado e já teve o resultado definitivo publicado no fim de dezembro. Atualmente, está "em vias de homologação", afirmou a Prefeitura por meio de nota.
Já o segundo concurso, que busca prover vagas para Agente de Trânsito e Guarda Municipal, está em andamento, "já que contempla fases adicionais".
Questões semelhantes levaram Parambu a firmar um Termo de Ajustamento de Conduta, em maio, para que a Prefeitura realize concurso público. O MP também pediu que a legislação fosse adequada para diminuir de 1.823 para 333 os cargos comissionados no município, uma redução de 72%. À época, havia cerca de 895 cargos efetivos vagos na gestão.
Além da diminuição do volume de comissionados, o MP acertou com a administração municipal a elaboração de um edital sem qualquer dispositivo que beneficie os atuais comissionados e contratados temporariamente.
O termo diz, ainda, que todas as fases do concurso devem ser concluídas até 30 de junho deste, com nomeações encaminhadas para o segundo semestre de 2023. Caso a Prefeitura descumpra qualquer cláusula, será aplicada multa de R$ 1 mil por dia de atraso em cada uma das etapas da seleção.
RESPONSABILIDADE FISCAL
Quanto à Nova Jaguaribara, em outubro, o Ministério Público expediu recomendação para a Prefeitura exonerar servidores temporários em situação irregular, substituindo-os por servidores efetivos, gradativamente. O prazo para a execução desses atos é 90 dias.
Em outra oportunidade, essas frentes discutiram sobre a reestruturação de cargos na instância da Prefeitura, pelo fim de contratos temporários irregulares e em excesso e pela adequação do município ao limite de gastos com pessoal exigido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
De acordo com a Prefeitura, estão sendo realizadas as tratativas para o início do procedimento licitatório de contratação da banca e realização efetiva do certame.
O Relatório de Acompanhamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE) mostra que, no primeiro quadrimestre de 2022, os trabalhadores sem vínculo permanente (excetuados os servidores em cargos comissionados) eram 321 na cidade.
A adequação à LRF também foi pauta de recomendação do MPCE a Reriutaba. As investigações do órgão indicaram que a Prefeitura contratava trabalhadores para realizar serviço contínuo como forma de burlar a LRF e a obrigatoriedade da realização de concurso público, fazendo com que a despesa com pessoal fosse repassada para outros custos.
Por isso, sugeriu que a Prefeitura rescinda todos os contratos nesses moldes e convoque os aprovados no concurso público em vigor.
Problema semelhante foi detectado em Pires Ferreira. Neste caso, o Ministério Público recomendou a rescisão de todos os contratos de prestação de serviço por pessoas físicas de natureza não eventual até que seja realizado um novo concurso público no município. Enquanto isso, propôs a nomeação de servidores temporários para os cargos.
Segundo apuração do MP, a gestão municipal admitia colaboradores para realizar serviços contínuos. Com a fraude à LRF, as despesas com gastos de pessoal eram contabilizadas em outros setores. A Procuradoria também observou que muitos dos contratados recebiam menos de um salário mínimo.
DESEQUILÍBRIO
Por meio de inquérito civil público, o Ministério Público percebeu que a frequência de contratação temporários da rede municipal de ensino de jovens e adultos (EJA) em São Benedito “é contínua e quase permanente”, causando um aumento desproporcional e sem justificativa nesse tipo de vínculo trabalhista.
Por isso, em dezembro, a gestão municipal recebeu recomendação para rescindir esses contratos em até 30 dias e preparar, dentro desse prazo, o planejamento objetivando a realização de um concurso público para admissão de novos profissionais na área.
O crescimento de profissionais temporários no âmbito da educação pública do município foi considerável já no primeiro semestre de 2021, aponta o Ministério Público. Entre janeiro e maio do ano passado, o número de seis trabalhadores temporários saltou para 90.
Em tese, (isso) denota possível favorecimento e/ou apadrinhamento político, uma vez que sequer foi realizado processo seletivo simplificado
Proporção semelhante entre contratos temporários e permanentes foi detectada em Tabuleiro do Norte. O Relatório de Acompanhamento do TCE relativo ao primeiro quadrimestre de 2022 mostra um efetivo de 634 trabalhadores sem vínculo permanente e 110 comissionados na cidade. Já o total de servidores efetivos é de apenas 521.
A recomendação do Ministério Público, nesse caso, é que, até novembro de 2023, a Prefeitura realize um concurso público para compor o quadro de pessoal da administração municipal.
AJUSTAMENTO
A apuração do MP sobre um processo de seleção de temporários em Jaguaruana levou ao firmamento de um Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta para a realização de um concurso público.
Além da execução do certame, ficou encaminhada a diminuição do prazo do processo seletivo simplificado para vigência de seis meses; a elaboração de estudo para levantamento dos cargos e vagas que serão objeto do concurso; o envio de projeto de lei à Câmara Municipal de Jaguaruana para adequação da estrutura administrativa municipal; entre outros pontos.
O mesmo foi feito em Barreira, com a mesma previsão de multa. O valor será revertido para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos do Estado do Ceará (FDID).
O município não tem um concurso público desde 2016, quando a Prefeitura selecionou novos agentes de trânsito e agentes da Guarda Municipal. Já outros setores da gestão foram contemplados em certame de 2010.
Um Termo de Ajustamento de Conduta também foi necessário em Ocara. Ficou acordado com o MP que o município publicaria editais de concurso público para todas as secretarias da gestão.
No acerto, a Prefeitura se comprometeu a publicar editais de processos seletivos simplificados para cargos nas áreas de Educação e de Saúde, entre outros setores, atualmente preenchidos por temporários.
Após a divulgação dos resultados das seleções, a gestão ficou obrigada a rescindir todos os contratos temporários irregulares (sem comprovação da necessidade temporária, sem comprovação do interesse público excepcional, sem procedimento seletivo prévio, etc.).
O OUTRO LADO
O Diário do Nordeste solicitou mais detalhes sobre os casos e os encaminhamentos sobre os contratos trabalhistas e as seleções a Madalena, Quixeramobim, Chorozinho, Juazeiro do Norte, Coreaú, Altaneira, Parambu, Nova Jaguaribara, Reriutaba, Pires Ferreira, São Benedito, Tabuleiro do Norte, Jaguaruana, Barreira e Ocara.
Até a publicação desta matéria, contudo, não houve retorno. A reportagem não conseguiu contato com a Prefeitura de Iguatu.
Fonte- diariodonordeste.verdesmares.com.br
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