A postura e o discurso de Bolsonaro, porém, destoam da forma como o Brasil assistiu à condução da pandemia nos 13 meses anteriores. Em meio a uma crise sanitária sem precedentes e um número cada vez maior de mortos, o período foi marcado por conflitos do presidente - que se opôs a medidas de isolamento e criticou vacinas - com governadores e prefeitos.
Uma consequência desta "pane" federativa pode ser vista num levantamento da Ipsos e do Global Institute for Women's Leadership publicado neste mês: após um ano conturbado de pandemia, uma parcela majoritária dos entrevistados no Brasil disse querer que seus líderes coloquem os problemas do País como prioridade, à frente de suas próprias ambições políticas.
É o que pensa a advogada Valéria Martins, de 35 anos, do Rio, que acompanhou de perto o drama de amigos que perderam familiares para a doença ou que estão desempregados na crise. "Essas brigas políticas só pioram a nossa situação, tanto na questão da saúde, como financeira. Estão pensando nas eleições e não em ajudar o povo." A mineira Amanda de Paula, que trabalha com administração de empresas, tem o mesmo ponto de vista: "Eu esperava que atitudes tivessem sido tomadas bem antes do caos todo".
O estudo da Ipsos pediu a mais de 20 mil entrevistados, de 28 países, que apontassem cinco características prioritárias que esperam de um líder para reverter a crise do coronavírus. Entre os brasileiros, a principal urgência, citada por 42% dos participantes, foi o desejo de que políticos deem prioridade aos interesses do País em vez de suas próprias carreiras. Esta e outras características como "ser honesto", "tomar decisões certas na hora certa" e "agir rápido para proteger as pessoas" tiveram, entre os brasileiros, suporte mais alto do que a média dos países pesquisados (mais informações nesta página).
"Essas questões são mais percebidas como mais importantes por aqui", disse o presidente da Ipsos no Brasil, Marcos Calliari. "A capacidade de enfrentar a pandemia e suas desastrosas consequências, em um país que foi particularmente atingido, requer, no olhar da população brasileira, capacidade de entender os problemas da população e protegê-la, comunicar-se bem e pensar no País."
Apesar de agora abrandar o tom negacionista e falar que o governo nunca se opôs à imunização, Bolsonaro já duvidou da eficácia das vacinas - chegou a barrar uma decisão do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, de comprar a Coronavac e chamou o imunizante de "a vacina chinesa de João Doria". Filiado ao PSDB, o governador de São Paulo é um potencial adversário de Bolsonaro na disputa presidencial do ano que vem.
"É normal que haja dissenso em alguns pontos do combate à pandemia como houve com o auxílio emergencial acerca do valor e até do auxílio em si, mas a disputa política não pode se tornar algo nocivo ao País e à população. Foi o que vimos com a vacinação", disse o advogado Augusto Costa, de 25 anos, de Sertãozinho (SP).
Medidas de isolamento social também estão entre as principais discordâncias de Bolsonaro com gestores estaduais e municipais. Na semana passada, o presidente ingressou com uma ação no STF para reverter restrições na Bahia, no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. O pedido foi negado.
Recentemente, governadores e prefeitos de grandes capitais se desentenderam publicamente na adoção de medidas de restrição. Casos como o do prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), e do governador do Estado, Cláudio Castro (PSC), de Doria e do prefeito paulistano, Bruno Covas (PSDB).
O STF assegurou a Estados e municípios a autonomia para tomar medidas contra a propagação da doença, mas não eximiu a União de realizar ações e buscar acordos com gestores locais.
'Divórcio'
"Colocar o País à frente da política é um apelo por responsabilidade coletiva, tomar medidas no tempo certo, sem conflito e sem procrastinação, é olhar para as necessidades do povo", disse o cientista político e escritor Sérgio Abranches. "Hoje vivemos uma ameaça existencial e, em muitos lugares, como o Brasil, governos em completo divórcio com o país, com o povo. Várias lideranças, aqui e em quase todos os países democráticos, já entenderam esse anseio coletivo."
Para o analista de risco político Creomar de Souza, da consultoria Dharma, a combinação de crises na pandemia - sanitária, política, econômica e social - indica uma tendência de debate político mais focado nas necessidades urgentes do País para o pleito do ano que vem. "As duas grandes tendências de debate são saúde pública e desemprego. O debate eleitoral tende a girar nesses dois temas por causa da pandemia, a dificuldade do governo em atender os doentes e a disponibilização de vacinas."
O cenário de polarização dialoga com outro dado da pesquisa Ipsos: apenas 4% dos entrevistados brasileiros citaram como prioritária a necessidade de que líderes saibam dialogar e atuar conjuntamente com quem pensa diferente. Nenhum outro país do estudo apareceu com uma porcentagem tão baixa neste quesito. "Uma parte do eleitorado brasileiro passou firmemente a acreditar nos últimos anos que dialogar com o diferente é uma corrupção de valores. Isso é ruim para a sociedade", afirmou Souza.
Para Calliari, o dado indica que a percepção de prioridade deveria desconsiderar diferenças ideológicas. "Parece haver a percepção de que trabalhar apesar das diferenças políticas não é importante por si só. Há sinais de que a população vê a polarização política, mas importante é trabalhar para atacar o que o País enfrenta, com honestidade, empatia, transparência e competência, independentemente de qual seja seu espectro ideológico." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte-opovo.com.br
Blog Nilson Técnico Bosch.
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