André Victor Rodrigues - Texto
Marcos Studart e Acervo da escola - Fotos
Marcos Studart e Acervo da escola - Fotos
As adolescentes Nicolly Menezes, 15, e Cibele Vasconcelos, 16, buscaram uma solução ecossustentável para o acúmulo de cocos nos lixões de Bela Cruz. Laboratório da Escola Estadual de Educação Profissionalizante Júlio França é referência em inovação
É bem próprio do cearense ser inventivo. Buscar soluções para os problemas que enfrenta, transformar com novas ideias o meio em que vive. E quando esta característica se une com o conhecimento científico, aí é que o Ceará aparece marcado no mapa do Brasil como destaque em inovação. É o que pode ser visto numa história de sucesso que vem lá de Bela Cruz, município do Litoral Norte distante 245 km de Fortaleza. Ao identificar a quantidade de cocos abertos nos lixões da cidade, duas adolescentes desenvolveram a produção de piso ecossustentável reutilizando o endocarpo lenhoso – a conhecida quenga do coco. A experiência rendeu diversos prêmios e, no próximo mês de maio, levará as cientistas para um grande evento de Ciências e Engenharia nos Estados Unidos.
Nicolly Menezes, 15, e Cibele Vasconcelos, 16, são estudantes da Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) Júlio França, em Bela Cruz. A trajetória do projeto tocado por elas começou em dezembro de 2017. Aos laboratórios da instituição de ensino elas levaram a ideia inicial do que viria a ser chamado de endopiso. “A gente percebeu que havia um descarte desordenado desse material na nossa cidade, que é próxima de áreas com praias, em aterros e vias públicas. E como aqui não tem nenhuma empresa que trabalhasse com reciclagem do endocarpo linhoso, acumulava-se muito lixo. Pensamos então em reutilizar essa parte do coco, transformando em algum produto inovador”, recorda Nicolly.
Seguindo o processo de metodologia cientifica, as duas realizaram o diagnóstico do problema e levantaram bibliografia para estudar o caso, até construir-se como proposta de solução a aplicação do coco na produção do piso alternativo. Após chegar à solução ideal dentro das pesquisas, as meninas tiveram que colocar a mão na massa. Transformar enfim o coco, antes descartados nos lixos, no material sustentável que elas almejavam.
A transformação do coco
Depois de coletar os cocos em lixões, a equipe do projeto seleciona aqueles em melhores estados de conservação. É feita a limpeza de todo o material, com raspagem das quengas com colheres e facas. Posteriormente o endocarpo lenhoso é reduzido a pedaços menores com a utilização de um trator: todas as peças são deitadas no chão e a máquina pesada passa por cima diversas vezes até a matéria ser pré-triturada. O passo seguinte é levar até a forrageira, e depois ao peneiramento do pó para usá-lo na fabricação.
“Eu posso pegar uma peça do coco aqui e mostrar para você como ela é resistente. Então para transformar e pulverizar esse material foi difícil. Para triturar o endocarpo, tentamos utilizar estiletes, tesouras, bater com martelos. Atualmente utilizamos uma forrageira (instrumento usado no campo para processar milho, mandioca, capim). Chegamos a danificar dois modelos diferentes até chegar no modelo ideal. Passamos diversas vezes o material na máquina até ele se transformar no pozinho que utilizamos na produção do endopiso”, detalha Cibele.
Durante essa fase, as jovens cientistas lidaram com erros e acertos até chegarem ao processo hoje detalhado com fluência pelas duas. Para conseguir os materiais necessários, o projeto do endopiso contou com ajuda da comunidade, que abraçou a ideia e a iniciativa das estudantes. Moradores de Bela Cruz cederam forrageiras para realização dos testes de tritura. Já o trator é instrumento de trabalho do pai de Cibele, que ofereceu o serviço para ajudar na produção. O sucesso da realização no laboratório foi celebrado dentro e fora da escola.
Com as fibras do coco pulverizadas, chega-se à reta final para a fabricação do piso: a mistura com outros materiais. “Nós determinamos a proporção do endopiso. O endopiso é constituído de 60% de endocarpo linhoso do coco e 40% de resina e catalisador. Nós pegamos um béquer de vidro (recipiente utilizado em laboratório), pois fica melhor de limpar, colocamos a resina e o catalisador, misturamos e, gradativamente, adicionamos o endocarpo pulverizado. Misturamos e o resultado é uma substância pastosa, que é disposta nos gabaritos”.
Os gabaritos são feitos de madeira reaproveitada, montados pelas próprias alunas no laboratório da escola. São feitos nas dimensões de 20 cm x 40 cm, que foram solicitadas por elas ao laboratório de Engenharia Civil da Universidade Estadual Vale do Acaraú (Sobral).
A substância pastosa é colocada para secar ao ar livre dentro dos gabaritos e, após o período de 24 horas, estão prontas as peças de endopiso. Missão cumprida. “Nós quisemos desde o início mostrar para a população que aquele produto visto no lixo, sem utilização, tinha potencialidade de se transformar em uma coisa maior e ecossustentável”, finaliza Cibele.
Utilização
A primeira utilização do endopiso no cotidiano da comunidade de Bela Cruz ocorreu na zona rural do município, onde foi implantado o piso na calçada de uma das casas da região. Segundo o professor e coordenador da Escola Profissional Júlio França, Fernando Nunes, a ideia agora é formar uma cooperativa para produzir o material em larga escala. “Queremos aplicar não apenas em calçadas, mas também em áreas internas das casas populares.”
Repercussão
A Escola Profissional de Bela Cruz é destaque na iniciação científica e tem marcado presença em premiações importantes. Com o projeto de transformar as fibras do coco em piso, as estudantes ampliaram as conquistas. No ano passado, foi 1º lugar na Etapa Regional do Ceará Científico (chegou ao 2º lugar do mesmo evento em 2017), 1º lugar em Ciências e Engenharia da etapa estadual do Ceará Científico, 2º lugar no Milset (evento internacional sediado em Fortaleza). Em 2019, o o projeto do endopiso também recebeu o Prêmio Petrobras, com direito a visita ao Centro de Pesquisas da estatal no Rio de Janeiro.
Neste mês, a EEEP Júlio França foi 1º lugar na área de engenharias na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace). As escolas de Ensino Médio Ronaldo Caminha, localizada em Cascavel, e Joaquim de Figueiredo Correia, de Iracema, foram outras premiadas no evento. Com a conquista, Nicolly, Cibele, assim como estudantes das outras unidades estaduais condecoradas, irão apresentar sua pesquisa durante a Feira Internacional de Ciências e Engenharia (Intel Isef), realizada em Phoenix, nos Estados Unidos, em maio.
Incentivo à juventude na pesquisa
O coordenador Fernando e o professor de física, Francigleison Pontes, foram os responsáveis pela orientação das estudantes durante toda a produção do projeto que resultou no piso ecossustentável. Os dois relatam que a iniciativa e a dedicação das meninas foram a parte fundamental para que a escola fosse reconhecida e destacada como referência em inovação e pesquisa científica.
“A nossa escola já é referência em iniciação científica. Temos outras iniciativas que foram e estão sendo desenvolvidas. Temos aqui, por exemplo, um novo tipo de madeira que é feito com reaproveitamento de papel com fibra de bananeira, e temos a ideia bem novinha de alunas que pretendem fazer telha a partir de fibra de bananeira, outra matéria-prima abundante. A pesquisa das meninas trouxeram ainda mais motivação para que outros estudantes embarquem nas pesquisas”, afirma Fernando.
Para Francigleison, os alunos na escola se mostram muito perspicazes ao que acontece na realidade deles, o que contribui para a identificação de problemas e a busca por diagnóstico. No caso do projeto do endopiso, ele destaca a independência das duas adolescentes para chegar ao resultado final. “Elas foram muito autônomas em todo o trabalho. Eu orientava as meninas no processo que se demandava força braçal, como por exemplo na limpeza, na quebra do material, na apuração do material, e na elaboração de relatório.”
Fonte-/www.ceara.gov.br/
Blog Nilson Técnico Bosch.
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