Incerteza sobre Colômbia pós-acordo com Farc paira sobre eleição.
O acordo de paz do governo da Colômbia com a ex-guerrilha e agora partido Farc (Força Alternativa Revolucionária do Comum) tem vencido entraves a sua implementação.
Um dos que persistem é o que envolve o alcance que deve ter a Justiça Especial, apenas para ex-guerrilheiros –o que não impediu a rejeição da população ao tratado de diminuir sensivelmente do patamar de 80% registrado quando da assinatura do termo, em setembro de 2016.
Um único caso, porém, bastou para trazer o assunto de volta para o destaque dos noticiários e pode impactar as intenções de voto para presidente da República. O primeiro turno da eleição acontece neste domingo (27).
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Trata-se da prisão do ex-líder das Farc Jesús Santrich, 51. Ele chegou a chefiar uma divisão do grupo e desempenhou papel proeminente nas negociações do acordo, tendo participado de debates e ajudado a escrever artigos do documento.
Em 9 de abril deste ano, Santrich foi preso sob a acusação de seguir traficando drogas e cometendo extorsões após a assinatura do tratado.
No mesmo mês, um tribunal de Nova York o considerou culpado por tentar fazer entrar dez toneladas de cocaína no país. O governo dos Estados Unidos solicitou a sua extradição.
"Se sou eleito, o senhor Santrich será imediatamente extraditado", afirmou o direitista Iván Duque, crítico ao acordo com as Farc e líder nas pesquisas eleitorais.
Desde a detenção de Santrich, Duque viu aumentar sua vantagem sobre o segundo colocado, o esquerdista Gustavo Petro.
Ex-integrante da guerrilha urbana M-19, Petro defende um julgamento pelo Tribunal Especial para ex-guerrilheiros antes que seja permitida a saída do preso do país. É o que também pleiteia o próprio Santrich.
O presidente Juan Manuel Santos considera que, por envolver um crime cometido depois do acordo, o caso deve ser decidido por um tribunal comum, e não pelas cortes criadas para acolher as ações dos que aderiram ao tratado.
Caso o pedido de transferência do detento para os EUA seja aceito, Santos já avisou: "Minha mão não tremerá ao assinar sua extradição".
A situação jurídica de Santrich na Colômbia, no entanto, tem outro complicador: ele é um dos dez parlamentares eleitos pela Farc na eleição legislativa de março e teria de ter seu foro privilegiado revogado.
"Estão rasgando em pedacinhos o acordo, não estão cumprindo seus deveres conosco. Agora querem desbancar um congressista nosso e extraditá-lo como se fazia nos anos 1980 [época dos cartéis de drogas]", diz um dos líderes da guerrilha, Iván Márquez.
Ele também afirmou que o Estado não vem garantindo a proteção a ex-integrantes do grupo, conforme acordado, já que não foi capaz de evitar o assassinato de 40 combatentes por bandos rivais.
"Eu sabia que isso iria acontecer. Esse acordo era apenas para que se baixasse o controle sobre eles. Os que sempre lucraram com o tráfico vão continuar fazendo isso enquanto puderem", afirma o comerciante Arturo Leguía. "O que não dá é que, ainda por cima, os aguentamos no Congresso escrevendo nossas leis."
Duas jovens que faziam compras no estabelecimento discordaram do lojista: "Acabou a guerra, há menos mortos, há menos medo. É um preço que temos que pagar".
Já Victor Currea-Lugo, da Universidad Nacional, especialista nos processos de paz colombianos, disse que o acordo que o governo fez com as Farc (então Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o que agora quer fazer com o ELN (Exército de Libertação Nacional) incorrem no mesmo erro.
"Eles são bons para os líderes, que garantem sua imunidade, seu espaço no Congresso e, se são discretos, coisa que Santrich não foi, podem continuar com seus negócios", afirmou. "Preocupam-me menos esses casos mais midiáticos do que a inserção dos guerrilheiros de gamas mais baixas, que estão sofrendo muito preconceito e a quem os programas para estudar e trabalhar ainda não atendem perfeitamente, apesar de a maioria ter recebido anistia por parte dos tribunais de paz."
O pesquisador, porém, acredita ser importante não deixar de lado os avanços que o acordo trouxe, pois esses demonstram que "o diálogo vale a pena" e que representa a única saída para anos de conflito.
"Os assassinatos baixaram muito, o hospital militar, que vivia apinhado de feridos, hoje está quase vazio. Tivemos uma eleição legislativa tranquila, e a do próximo domingo também será. Perder a crença no diálogo é tudo o que não nos pode acontecer. Espero que o caso Santrich, apesar do furor midiático de agora, seja visto como algo isolado no futuro", conclui. Com informações da Folhapress.
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