A Controladoria-Geral da União (CGU) no Ceará sugere um prazo de 30 dias - que está em curso - para servidores públicos municipais e estaduais devolverem aos cofres públicos federais o dinheiro do auxílio emergencial de R$ 600 que receberam irregularmente. De acordo com o órgão, 24.232 funcionários públicos no Ceará são suspeitos de fraude no benefício. O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) tem cobrado aos prefeitos cearenses a abertura de processos disciplinares para investigar os casos, o que tem incomodado gestores municipais. Para eles, o problema não é dos municípios, mas sim do Governo Federal.
A coluna Poder da edição desta segunda-feira (29) do Diário do Nordeste antecipou o mal-estar entre prefeituras e promotores de Justiça sobre as investigações de servidores municipais suspeitos de receberem indevidamente o auxílio emergencial. A CGU detectou possíveis fraudes em 180 municípios, além do Governo do Estado, e entregou todas as listas com os nomes dos suspeitos para cada um dos gestores. As últimas listagens, segundo o órgão, foram entregues em 15 de junho, data a partir da qual passou a contar o prazo para devolução.
Desde que o levantamento da CGU, elaborado em parceria com o Tribunal de Contas do Estado (TCE), veio à tona, conforme publicado pelo Diário do Nordeste no último dia 12 de junho, prefeitos têm sido cautelosos e evitam falar do assunto. Eles ponderam que nem todos os casos são de fraude e que alguns servidores teriam sido beneficiados por "falhas" no sistema do Governo Federal, mesmo sem a solicitação do auxílio.
Casos
De fato, existem três grupos que a CGU detectou a partir do cruzamento de dados: um é o do Bolsa Família, de servidores que já haviam sido cadastrados no programa e que, automaticamente, receberam o auxílio emergencial; o segundo grupo é o de servidores que já se cadastraram no Cadastro Único (CadÚnico), programa federal para benefícios sociais, e também receberam o auxílio, e o terceiro grupo é o chamado "extraCad", formado por funcionários públicos que, por iniciativa própria ou por outra pessoa ter se apropriado de seus dados, teriam solicitado o auxílio, mesmo sem ter direito a ele.
Nesse caso, se os dados de determinado servidor tiverem sido fraudados, o superintendente regional da CGU, Giovanni Pacelli, lembra que o funcionário público deve registrar um Boletim de Ocorrência (B.O.). Em todo caso, reforça ele, o servidor público que recebeu um benefício que não lhe é devido tem que devolver o dinheiro aos cofres públicos federais.
"A gente vai ficar em cima até a pessoa devolver o dinheiro e a gente vai saber quem devolveu e quem não devolveu. Vão continuar no nosso radar. Quem está no Bolsa Família não há que se falar em dolo, porque a pessoa já estava no cadastro e a decisão foi do Governo Federal. Já quem está no 'extraCad' houve dolo quanto ao uso do CPF", frisa o superintendente.
A CGU estipulou um prazo de 30 dias para servidores municipais e estaduais devolverem o dinheiro que foi recebido irregularmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU). Giovanni Pacceli ressalta que, no País, mais de R$ 42 milhões já foram recuperados pelo órgão, após detecção de fraudes no pagamento do benefício. Para isso, casos suspeitos precisam ser apurados e irregularidades, comprovadas.
MP
A CGU também encaminhou os nomes dos servidores suspeitos para o MPCE, que repassou as listas aos promotores no interior. Segundo o promotor de Justiça Elder Ximenes, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, cada promotoria decide como fazer a apuração. Algumas, diz ele, investigam diretamente cada pessoa; outras cobram às prefeituras a abertura de processos disciplinares para apurar os casos.
"A importância é que todos os gestores usem o poder que possuem de autotutela, o poder hierárquico e disciplinar. Você não precisa de provocação, denúncia, recomendação do MP para corrigir um problema da administração. Por exemplo, você não atualizou o cadastro de alguém que não é mais servidor e ele cai no cruzamento de dados da CGU. Os prefeitos devem fazer a apuração. A gente não pode fazer uma condenação antecipada", pondera.
Cobranças do MPCE, segundo apurou a coluna Poder, têm gerado desconforto entre procuradores de municípios, que defendem as prefeituras. Há, entre alguns, a avaliação de que promotores estariam invadindo a competência do poder público municipal nos casos. "Não há intenção de intervir sobre as atribuições dos gestores, mas o MP tem que exercer o seu papel de fiscal", justifica Ximenes.
Para evitar esse clima, o prefeito de Redenção, Davi Benevides (PDT), por exemplo, se antecipou e publicou um decreto, convocando os 59 servidores do Município apontados pela CGU e pelo TCE como suspeitos de receberem indevidamente o auxílio emergencial, para que seja feita a apuração caso a caso. Para o gestor, entretanto, o Governo Federal é que deveria assumir a responsabilidade sobre o problema.
"O benefício é do Governo Federal, não é dos municípios. Quem efetuou o pagamento foi o Governo Federal, não os municípios. Se ele pagou, ele tem que cobrar. Não tenho esse papel de ir atrás desse dinheiro. O papel da Prefeitura com essa investigação é mediar essa devolução".
Prefeito de Cedro e presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Nilson Diniz também sustenta que os municípios não devem ser responsabilizados por possíveis fraudes no auxílio emergencial envolvendo servidores. Questionado sobre a possibilidade de haver conluio entre servidores e gestores, Diniz responde que boa parte dos problemas são de servidores que estão no CadÚnico.
"Em Cedro, foram 12 servidores: dez estavam cadastrados no CadÚnico e dois solicitaram e não receberam. O que estamos fazendo lá? A orientação dada foi chamar as pessoas, de forma sigilosa, pedir que devolvessem o dinheiro, para eles fazerem uma guia de recolhimento para a União e depois fazer um ofício. O problema é que tudo resvala para os municípios", reclama.
Estado
Também procurada pela reportagem, a Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado do Ceará (CGE) informou, por meio de nota, que já recebeu ofício da CGU e do TCE sobre os casos suspeitos referentes a servidores estaduais.
A CGE ressalta, contudo, que os órgãos "não fixaram ou mesmo sugeriram prazo para manifestação e devolução do dinheiro" e também menciona "que o Poder Executivo Federal foi quem repassou esses recursos".
Ainda segundo a Controladoria do Estado, possíveis irregularidades estão sendo tratadas em articulação com a Procuradoria Geral do Estado (PGE), "visando opinar tecnicamente e com aval jurídico, sobre os encaminhamentos a serem seguidos".
Dinheiro devolvido após detecção de fraudes
Segundo o chefe Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, já foram devolvidos aos cofres públicos federais mais de R$ 42 milhões, após detectar fraudes no auxílio emergencial no País.
De acordo com o titular da CGU em âmbito nacional, mais de 1,6 milhão de irregularidades no benefício federal de R$ 600 foram detectadas pelo órgão. Enquanto isso, a extensão do pagamento do auxílio segue em discussão.